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Entenda como Lean e Indústria 4.0 se relacionam ou não na busca pela produtividade 

Lean, respeitáveis 80 anos e bem aceita no universo da indústria. Indústria 4.0, apenas 10 anos e com promessas já visíveis de desdobramentos revolucionários no universo industrial.  

Para alguns, um conflito de gerações, no qual Lean e Indústria 4.0 brigam pela dominância e importância no mesmo ambiente. Para outros, ao contrário, uma complementação necessária dentro da manufatura, mas ainda sem resolução definitiva – porque sempre única – sobre sua forma pela qual se dará. 

Neste post, à luz dos conceitos de Lean e de Indústria 4.0, pretendemos dar mais uma contribuição produtiva a esse debate, que evidentemente não se esgotará aqui. 

O que é Lean Thinking? 

Para definir Lean Thinking, precisamos voltar aos anos 1950, à história da Toyota, que num contexto de escassez intensa, ergueu todo um sistema de gestão de desperdícios por defeitos, espera, armazenamento, excesso de movimentação e transporte.  

curso lean thinking

Para isso, a Toyota criou ferramentas e metodologias que empoderavam as pessoas, do chão de fábrica à alta gestão, para a identificação e solução de qualquer problema, em um trabalho que se retroalimentava para chegar a patamares altíssimos de desempenho.  

Esse sistema passou a ser conhecido apenas quando a Toyota despontou mundialmente, nos anos de 1970, o que tornou a empresa objeto de estudo de vários pesquisadores

Um dos quais deu origem ao livro A Máquina que Mudou o Mundo, de Daniel Jones e James Womack, que cunhou o nome Lean. Os autores definiram o que acontecia dentro da Toyota como uma produção lean, isto é, enxuta, magra, sem gorduras operacionais. Esse modelo deu origem a cinco princípios, que envolvem inúmeras ferramentas: 

  • Difinição de valor: Genchi Genbutsu, Gemba Walk, Hoshi Kanri, Matriz X  
  • Mapeamento do fluxo de valor: Spaghetti Mapping 
  • Criação de fluxos: PDCA, 5S, 6 Sigma 
  • Estabelecimento de um sistema puxado: Kanban, Just-in-time 
  • Busca da perfeição: Kaizen e Kaikaku, 5 porquês, Jidoka. 

Dali, o Lean Manufacturing se tornaria conhecido mundialmente e erguido a sistema, cujos princípios, metodologias e ferramentas poderiam ser aplicados em qualquer empresa.  

O que é Indústria 4.0? 

Se em busca do conceito de Lean fomos muito atrás no tempo, o conceito de Indústria 4.0 ainda fervilha de tão quente, de tão atual. Segundo Guilherme Tortorella, professor da Engenharia de Produção da Universidade Federal de Santa Catarina: 

Indústria 4.0 é um termo cunhado em 2011, na feira de Hannover, na Alemanha. Veio para fazer o marco de início da quarta revolução industrial, que diz respeito a interconectividade de processos, produtos e serviços, alavancada por tecnologias que foram desenvolvidas até antes de 2011, mas que se tornaram muito mais acessíveis apenas de uns tempos para cá, como IoT, cloud, big data e impressão 3D. 

O objetivo da indústria 4.0 é criar sistemas altamente conectados, capazes de interagir e analisar dados a fim de predizer falhas, reconfigurar-se e produzir praticamente sem interferência humana, alçando seus protagonistas à vanguarda da produtividade e, automaticamente, da geração de valor.  

De programa de pesquisa alemão, assim o conceito foi para o mundo, a exemplo do que ocorreu nas três primeiras revoluções industriais. 

Parafraseando Rebecca Parsons, CTO da ThoughtWorks, em entrevista para a SiliconRepublic, nesse contexto, você deixa de ser uma empresa que faz x, por exemplo, para ser uma empresa de tecnologia que vende x. Modelos disso já podem ser testemunhados em algumas das empresas mais poderosas do setor de tecnologia: a Amazon atua no varejo, a Uber no transporte, a Netflix no entretenimento e por aí vamos. 

Dessa forma, continua Parsons, a tecnologia sai dos limites de um setor específico dentro da organização para estar no seu core, ou seja, no seu âmago, dando viabilidade ao negócio como um todo. Com isso, a Indústria 4.0, assim como o Lean, também se reveste de um caráter sistemático, muito além do chão de fábrica. 

Lean e Indústria 4.0: convergência ou divergência? 

Após a análise dessas definições é comum a afirmação de que a indústria 4.0 vai além do Lean, dada uma insuficiência deste no enfrentamento de desafios operacionais.  

Na indústria 4.0, você resolve problemas, aprimora processos e gerencia desperdícios apelando para as ferramentas da tecnologia, não apenas para o arsenal de ferramentas Lean, como um sistema puxado por kanban. 

Digamos que o ferramental Lean, que enriqueceu as operações da manufatura dos anos 1950 até hoje já teria caducado e não daria conta do contexto de uma manufatura altamente complexa – de robôs, automação, computadores. 

Tortorella resume a hipótese da divergência da seguinte maneira: 

Podemos olhar o casamento do Lean com a indústria 4.0 sob duas perspectivas. A primeira seria uma perspectiva conflitante. Se por um lado você tem um olhar voltado a pessoas, voltado à simplicidade no Lean, isso pode se contrapôr à perspectiva da indústria 4.0, que pode usar tecnologias caras, que poucas pessoas manuseiam e que eventualmente não são triviais. Pode haver conflito.  

Porém, ainda segundo Tortorella, a simplicidade da dualidade contraditória implica o encobrimento de uma convergência entre Lean e Indústria 4.0, formulada pelo professor da seguinte maneira: 

Por outro lado, a tecnologia da indústria 4.0, na medida em que facilita a identificação de problemas e por consequência acelera a solução, de certa forma converge com princípios enxutos

O conceito que emergeria disso seria o Lean Indústria 4.0. Vamos nos aprofundar mais neste ponto na próxima seção. 

Lean e Indústria 4.0: os pontos da complementaridade  

1. Mindset Lean empoderado por tecnologias 

De acordo com Tortorella, o Lean é um movimento sociotécnico, isto é, um mindset. Ele parte da observação dos comportamentos e práticas organizacionais instaurados no local de trabalho para a sua transformação. Numa frase: ele empodera pessoas para a execução da melhoria contínua

Do ponto de vista Lean, adicionar, sem esse conhecimento prévio, seja uma ferramenta Lean, seja uma tecnologia de ponta, não garante produtividade.  

Dentro do Lean isso é resolvido pelos princípios da pelo mapeamento da cadeia de valor, o famoso genchi genbutsu – vá e veja com os próprios olhos e pergunte por que –, que vai revelar gaps e oportunidades de melhoria. Sensores IoT não respondem por que nem transformam a si mesmos. Quem faz isso ainda são as pessoas. 

Por isso, para Tortorella: 

Até por uma questão temporal – afinal, o STP tem quase 80 anos – o Lean fornece a base fundamental sobre a qual tecnologias podem ser inseridas. Sem essa base, colocar só as tecnologias, a coisa não vai. No momento em que as tecnologias são inseridas sobre essa base enxuta, a coisa se retroalimenta. Primeiro eu preciso instaurar o comportamento para depois automatizar o comportamento. A digitalização vem para facilitar um comportamento já estabelecido, e não vice-versa. 

2. Integração que gera mais valor 

Outro ponto que aponta para uma convergência entre Lean e Indústria 4.0 parte do próprio objetivo de ambos, que é essencialmente o mesmo: diminuir a complexidade operacional e aumentar a produtividade.  

Convenhamos que as caixinhas em que vão cair os meios por que se busca esse resultado pouco importam. Pode-se sim usar da tecnologia para solucionar problemas. Inclusive, a Toyota assim como muitas organizações enxutas fazem tudo isso dentro do escopo do Lean Thinking. 

Para Erasto Meneses, Lean Digital Transformation Manager e membro do Lean Institute Brasil, isso redunda numa tendência de junção de lean, agile e indústria 4.0

Pense lean, seja ágil e use tecnologia. Um sem o outro não agrega o valor esperado. É preciso ter o pensamento Lean para conseguir olhar para os problemas, para ter o mindset de resolvê-los e buscar perfeição; é preciso ser ágil para conseguir fazer entregas contínuas e testes ágeis; e é preciso conseguir usar o melhor da tecnologia. É a junção de tudo isso que vai fazer a diferença. Tecnologia sozinha, sem propósito e sem valor, é desperdício. O pensamento lean é o guarda-chuva que vai sustentar essa transformação

Para Meneses, o maior benefício vem, portanto, de uma implantação holística ou integrada de Lean e de Inústria 4.0, em vez de independente ou sequencial, que já vem sendo chamada de Indústria Lean 4.0. 

Lean e Indústria 4.0: duas gerações a serviço da criação de valor 

Vimos que, apesar das diferenças de geração, Lean e Indústria 4.0 podem convergir. A indústria pode – e deve – aproveitar ambos em sua busca de otimização para a produtividade. De preferência integrados. 

Lean como o estofo comportamental e cultural necessário para a instauração da transformação via tecnologias da Indústria 4.0 ou de outros kaizens, mantendo as características enxutas, a definição de valor e o propósito da organização. 

É desejável que os efeitos das tecnologias sobre as pessoas e seus comportamentos, por sua vez, deem origem a novas mudanças, causadas por novas necessidades e, evidentemente, problemas. Mais ainda que seja fonte inteligência. Mas aprender com a prática não é continuar a ser Lean?  

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